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Pontos de vista

O tarifaço de Trump pode gerar efeitos positivos para marcas nacionais no Brasil?

16/09/2025

Indo além dos impactos econômicos e políticos que as medidas tarifárias norte-americanas podem provocar, é relevante olhar para os efeitos culturais desse movimento e seus possíveis reflexos na relação dos brasileiros com marcas que expressam a cultura nacional.

Você já pensou que marcas brasileiras podem se beneficiar de uma mudança na percepção em relação ao Brasil e aos Estados Unidos?

No centro do tarifaço, e da resposta do Brasil, estão dois conceitos muitas vezes confundidos: patriotismo e nacionalismo. 

Patriotismo é um sentimento positivo de pertencimento ao país, de identificação e valorização da cultura nacional, sem implicar em fechamento ou sensação de superioridade frente a outras nações. Nacionalismo, por sua vez, é uma crença na superioridade de uma nação sobre as demais, pautada pelo “nós versus eles”. Se você quiser se aprofundar levemente nesse tema, recomendamos a ótima entrevista do historiador Daniel Gomes de Carvalho ao Nexo.

Patriotismo X Consumo

Historicamente, os brasileiros são muito abertos a marcas estrangeiras, muitas vezes valorizando mais o importado do que o nacional. Isso poderia sugerir que, por aqui, a ligação entre patriotismo e consumo é fraca. Mas essa conclusão seria precipitada.

Uma pesquisa feita em 2023, pela consultoria global Morning Consult, mostra que consumidores patriotas brasileiros tendem a converter orgulho nacional em escolhas de consumo. Esse efeito, inclusive, é mais forte no Brasil do que em países como França e Alemanha. O ponto é que, no Brasil, o nível absoluto de patriotismo ainda é médio para baixo (30% dos adultos brasileiros concordam com a frase “eu tenho muito orgulho de viver no meu país” v 60% da India). Isso pode significar que um possível aumento no patriotismo brasileiro poderia levar à valorização de marcas que expressam a cultura nacional.

A bagunça do bolsonarismo

Na última década, o bolsonarismo embaralhou os conceitos de patriotismo e nacionalismo no Brasil. Ao capturar símbolos nacionais, como a bandeira e a camiseta da seleção brasileira, e ao adotar o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, o movimento produziu a impressão de ser patriótico, ao mesmo tempo em que se associava ao discurso nacionalista.

Mas, na prática, isso não se sustenta: 

• O orgulho bolsonarista em relação ao Brasil é questionável, já que seus discursos valorizavam constantemente os Estados Unidos como modelo, como se o Brasil sempre precisasse ser outra coisa que não o próprio Brasil. O Luciano Hang, fundador da Havan é um exemplo emblemático: vestia-se de verde e amarelo enquanto ostentava réplicas da estátua da liberdade em frente as suas lojas.

• O discurso de Bolsonaro no registro “nós versus eles” também não se apoiava em inimigos externos, mas em divisões internas. O cientista político Carlos Augusto do Nascimento, em sua pesquisa de mestrado, analisou discursos do ex-presidente e encontrou um coeficiente baixo de relação com o nacionalismo clássico.

Portanto, apesar das aparências, como mostrou a pesquisa global da Morning Consult feita em 2023, o bolsonarismo não fez do Brasil um país substancialmente patriota, onde o orgulho nacional pudesse se converter em escolhas de consumo, para além de camisetas verde amarelas.

A virada do tarifaço

Já o tarifaço, e a resposta do governo atual, abre uma nova janela de possibilidades.

O governo Lula tem como tradição projetar o Brasil para o mundo pela chave do patriotismo: o orgulho de pertencer ao país, junto com o desejo de mostrar ao mundo como o Brasil é incrível. Foi nessa plataforma que Lula conduziu seus dois primeiros mandatos, e nela se apoiou novamente a partir de 2023.

É verdade que, até agora, esse discurso não trouxe resultados internos tão fortes quanto esperado pelo governo. Mas o tarifaço muda o jogo. Os EUA estão dando ao Brasil a oportunidade de afirmar sua soberania nacional e revisar a relação de admiração quase automática em relação a eles.

Vale destacar que a resposta lulista tem se apoiado no patriotismo, mas evitando cair no nacionalismo. Existe uma tradição diplomática brasileira marcada pela abertura e pelo diálogo e esse equilíbrio está sendo cuidadosamente preservado. Curiosamente, o ataque de Trump ao Brasil tem gerado percepções positivas de outros países em relação ao nosso, o que fortalece o patriotismo interno (por mais paradoxal que pareça).

Oportunidade para marcas

Neste cenário, há uma chance real de crescimento do patriotismo no Brasil. E, se isso acontecer, é alta a probabilidade de esse sentimento se converter em comportamento de consumo. Para marcas que trabalham no território da brasilidade, o momento é estratégico. Mas é importante lembrar: o patriotismo brasileiro não se apoia no Brasil institucional, e sim na cultura viva, no jeito brasileiro de ser. O caminho, portanto, não é “valorizar o Brasil oficial”, e sim a brasilidade cotidiana. Essa diferença é crucial.

Se você quiser mergulhar fundo nesse assunto e nas oportunidades de virada que o momento oferece ao país, temos três sugestões:

1. A segunda temporada do nosso podcast Insurgentes é toda sobre o Brasil e a relação que nossa sociedade estabelece com ele! Imperdível. Acesse neste link.

2. Nós participamos, em 2024, da criação de um estudo inédito sobre a imagem e reputação do Brasil, este trabalho está aberto e disponível para todos neste link.

3. Na Inesplorato conduzimos um estudo contínuo chamado Culturas Brasileiras desde 2010. Hoje temos, seguramente, uma das maiores bases de conhecimento sobre a brasilidade. Caso se conectar com a brasilidade seja um desafio do seu negócio, bora conversar!

Debora Emm

Sócia Fundadora da Inesplorato

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