“Comprovado cientificamente”. A gente está sempre usando a ciência para validar muitos dos nossos argumentos, não é mesmo? Seja ao analisar uma bula de remédio, validar a importância de uma ideia ou projeto e até mesmo numa discussão na mesa de bar, logo jogamos um dado estatístico ou mencionamos algum relatório, experimento ou teoria para dar aquela legitimidade ao que a gente fala.

Nos nossos projetos de curadoria de conhecimento aqui na Ines isso não é diferente! Temos a ciência como a nossa fiel companheira, nos ajudando a explicar, desenvolver e provocar senso crítico na construção de projetos e estudos, independentemente das temáticas. Mas ela, a ciência, não é a nossa única aliada; como bem diz o ditado popular, uma andorinha sozinha não faz verão (e ainda bem!). O diálogo entre diferentes formas de conhecimento e saberes dá match e produz projetos surpreendentes. 

Sem querer colocar a carroça na frente dos bois, por que colocamos o conhecimento científico como absoluto e superior? Bom, eu poderia fazer um textão e a gente poderia pensar juntos sobre como essa relação se dá desde a nossa colonização, mas para não me alongar, por enquanto vamos juntos pensar em dois aspectos:

1. O local em que o conhecimento científico é produzido 

O conhecimento científico é produzido dentro dos muros das universidades e instituições científicas, espaços a que, infelizmente, nem todo mundo tem ou pode ter acesso. Locais estes em que também há um imaginário social cheio de poder simbólico. Isso faz com que tudo o que é produzido ali seja inquestionável e que, por outro lado, o que é produzido fora desses muros seja invisibilizado e inferiorizado dentro de uma hierarquia do que é ou não é considerado conhecimento. 

2. A metodologia científica utilizada 

O conhecimento científico é formado quando se pretende entender e explicar fatos, eventos ou acontecimentos do mundo. Assim surgem ideias, hipóteses são levantadas, experienciadas, discutidas e repensadas através de metodologias científicas. Até chegar aos resultados, revisados por especialistas da área que tensionam e questionam para ver se tudo realmente faz sentido, existe um processo bem longo, racional e técnico – e é por essa razão que ele gera tanta confiança. 

Nem tudo que reluz é ouro

Mas isso não quer dizer que a ciência não erre ou, ainda, que não possa ser questionada – e a gente já falou sobre isso aqui. Muito pelo contrário, o questionamento faz parte do seu modus operandi! (E uma ressalva importante: diante do crescente movimento negacionista e anticientífico, segundo o qual a eficácia de vacinas é questionada e a Terra é tida como plana, é fundamental reafirmar que o conhecimento científico deve ser questionado, mas dentro dos seus parâmetros, baseado em fatos e não em opiniões ou questões puramente individuais).

Dito isso, a intenção aqui não é desbancar o conhecimento científico, pois ele é válido e essencial. Mas não pode ser considerado universal ou o único tipo de conhecimento importante, pois isso exclui e subalterniza outras formas de conhecimentos e saberes, as quais também são fundamentais para a nossa compreensão do mundo. 

Isso porque o conhecimento é plural, complexo, diverso e produzido em vários espaços. Tendo consciência disso, nos nossos estudos utilizamos, sim, pesquisas acadêmicas, teorias e dados estatísticos, mas sempre em diálogo com outros conhecimentos possíveis. Aqueles que surgem em outros espaços, a partir de outras perspectivas, vivências e cosmologias. 

Os exemplos são vários: em um projeto sobre o México, por exemplo, usamos a loteria mexicana – uma espécie de bingo em que no lugar dos números há imagens – para explicar aspectos políticos, culturais e econômicos do país. Mas isso também acontece de forma mais corriqueira, quando desbravamos o universo dos memes ou vídeos do Tiktok que estejam fazendo sucesso para explicar hábitos e práticas de consumo. Ou, ainda, quando o ato de trançar o cabelo e os penteados produzidos por trancistas se integram na explicação de aspectos sócio-históricos da sociedade brasileira em um treinamento para lideranças sobre diversidade e inclusão. Tá, só mais um exemplo: quando dialogamos com a cosmologia de uma etnia indígena para repensar nossas relações com o trabalho e as dimensões da utilidade da vida.

O que tudo isso aponta é a importância de compreender que o conhecimento é múltiplo, especialmente em uma sociedade tão multicultural como a nossa. Por isso, o que cabe no conceito de ciência é toda essa multiplicidade. O que não pode caber é o epistemicídio que invisibiliza, desqualifica e oculta saberes ao tomar apenas o conhecimento científico como válido. Então, fica a pergunta: como você valoriza o conhecimento ao seu redor?

Até mais!